quarta-feira, 11 de abril de 2012

STF julga liberação de aborto em feto sem cérebro

Esse tema só veio a meu conhecimento ontem, ao ler a coluna semanal da excelente Eliane Brum, no site da Época. Gosto muito dos textos da Eliane, que do jornalismo literário, talvez o que mais enxergo neles é a capacidade de levar a uma compreensão de um fato e não mera explicação, como o jornalismo cotidiano se habituou a fazer.

Lendo a coluna, fui apresentada ao ponto de vista da autora, claro, mas também, fui apresentada a uma mulher. Severina. Lá do sertão. Mulher simples, vivendo sua vida com a família, quando o baque de ter um neném sem cérebro dentro dela, os atinge. Ao compreender que esse bebê não tinha como sobreviver, opta pelo aborto, lá em 2004. Um dia antes de fazer o aborto, o STF lhe nega essa direito. Começa assim a peregrinação de Severina.

Fui fortemente tocada por sua história. Severina carregou o filho na barriga, como um fardo. Tenho certeza de que o lado psicológico dessa mulher foi torturado. Imagino aqui de longe, quantos “por quês” ela levantou a Deus. Como torceu por uma esperança vã, de que seu filho pudesse superar a falta de cérebro e esperou um milagre da reconstrução de sua cabecinha. “Eu sinto o coração dele bater, mas ele não se mexe”, disse Severina. Por instantes do documentário, eu senti a dor de Severina.


Com uma pesquisada rápida, vi que fetos sem cérebro não sobrevivem mais de 48 horas depois de nascerem. Em sua maioria são natimortos. Morrem na barriga ou durante o parto. Severina teve de entrar na justiça, já com 7 meses de gravidez conseguiu interna-se em um hospital para retirar o filho da barriga. Ouviu seu coração bater. Sofre por horas um parto induzido, porque os dois anestesistas de plantão não se compadeceram daquela mulher, mas sim, recusaram-se a aplicar-lhe anestesia por conta de suas crenças. Que amor religioso é esse que deixa o próximo sofrer?

Severina fez força. Viu mães com filhos no colo nos corredores do hospital. Severina chorou. E deu a luz. A luz a um bebê morto. Ele não teve certidão de nascimento. Só de óbito. A família teve de fazer o enterro, com roupinha branca e touca na cabeça, para não atiçar ainda mais a curiosidade alheia. Severina e sua família tinham mesmo que passar por todo esse martírio?

Uma das perguntas que me fiz. É claro que sou a favor da vida. Mas, tendo como exemplo o caso de Severina, que vida sofreu mais? A que nunca existiu? É sempre difícil se posicionar em assuntos polêmicos. Só acho que o Estado deveria garantir a essas mulheres o direito de escolha. E não puni-las. Respeito sim as opiniões religiosas, tenho também a minha religião, mas tento ao máximo não ser religiosa. Cada um trilha o caminho que quiser na vida. Quero ser respeitada seguindo o que acredito e devo também respeitar. Assim como Eliane Brum, defendo o direito de escolha.

A pergunta que o Supremo responderá nesta quarta-feira é a seguinte: “Uma mulher, grávida de um feto anencéfalo, pode interromper a gestação sem necessidade de autorização judicial?”. Espero que a resposta da corte seja afirmativa. Acompanho o percurso dessas mulheres há quase dez anos e me parece claro que este é um debate de direitos humanos. Impedir uma mulher de interromper a gestação de um feto incompatível com a vida, se ela assim o desejar, é condená-la à tortura. Assim como também seria tortura obrigar uma mulher a interromper essa mesma gestação se ela desejar levá-la até o fim porque, por crença religiosa ou qualquer outro motivo, encontra sentido nesse sofrimento. 


Este é o ponto: se o feto é incompatível com a vida, só quem pode decidir pela interrupção ou não da gestação é quem o carrega no ventre. Ninguém mais – nem as feministas, nem os padres, nem eu ou você. Em geral, olhar pelo avesso nos ajuda a enxergar o quadro com maior clareza. Imagine se a lei brasileira determinasse o oposto. Ou seja: pela lei, todas as mulheres grávidas de fetos anencéfalos fossem obrigadas pelo Estado a interromper a gestação assim que o diagnóstico tivesse sido comprovado. Se não quisessem, precisariam entrar na Justiça para impedir o aborto compulsório. Neste caso, a violação de direitos humanos seria a mesma. E eu estaria aqui, defendendo o direito dessas mulheres de levar a gestação até o fim com a mesma veemência. Eliane Brum.

4 comentários:

J. disse...

Boa Monique!

Postou na hora certa. Torço para que esse direito seja totalmente da mulher, evitando sofrimentos desnecessários como da Severina (de Jesus).

Beijos
continue com polêmicas.

Anônimo disse...

Sou a favor da vida, mas neste caso??? Qual a necessidade da mãe passar por todo esse transtorno físico e psicológico para dar a luz a um bebê sem vida? E ainda estender esse sofrimento aos familiares? Não enxergo qualquer argumento que justifique isso, exceto por opção da própria mãe. Imagino sua frustração ao sentir um bebê crescendo em seu ventre por até árduos nove meses e saber que essa vida será findada logo após o parto. Triste. Torço para que o STF seja sensato e faculte o direito à mãe de abortar nos casos em que o bebê não tenha nenhuma chance de sobrevivência.

Thayna Santos disse...

Sou total direito a vida, e nesse caso penso muito na situação da mãe... não passei por uma gestação, mas sei como é vc chegar da maternidade e não trazer um bebê... agora gerar uma criança q realmente pode durar poucos minutos, é muito complicado... Minha prima sofreu algo parecido (má formação genética) e ela optou a levar a gravidez até o fim. Sofreu muito (d+) qdo a criança resolveu nascer, ele viveu algumas horas e faleceu, mas minha prima disse q está com a consciencia limpa! Por isso, mesmo minha religião dizendo não, eu apoio a decisão de que é uma escolha da mãe, é dificil mas cada um tem uma visão! Parabéns Mo, belo texto, como sempre!! :P

Wilson Campos Gomes disse...

Ótimo texto, tema bem complicado.

Também sou a favor de dar a mãe o direito de decidir pelo aborto ou não. As pessoas julgam como se fossem abortar todos os bebes anacé-falos porém as mães que quiserem continuar com a gravidez poderão faze-la. Quem sabe o que está passando é somente a mãe.