terça-feira, 3 de abril de 2012

Dia chuvoso


Dia chuvoso, o menino olha na janela, as gotas batem, fazem um barulho engraçado, mas o que é mesmo bonito é ver as gotas no vidro, como que se o vidro estivesse chorando, diante do tédio, o menino ajeita a touca cinza na cabeça e prossegue contando as lágrimas da janela.

Olha pra cima, nenhum sinal de vida, tudo nublado. Dias nublados são cansativos, vagarosos, penosos. Respira fundo, coração apertado, parece mesmo tudo cinza. A pele branca parece brilhar em dias como esse, puxa as mangas do moletom.

Ajeita-se debaixo do edredom, no sofá surrado, olha a TV em sua frente, brilhos esmaltados. Seus olhos azuis doem ao sair do cinza para as cores de um desenho. Aventuras repetidas, mais uma vez a mesma cena, que infância!

O telefone toca, ele cogita não levantar, mas é melhor atender, ou o incomodo pode vir de outras maneiras, vai que tocam a campainha. “Sim mãe, já acordei, faço qualquer coisa pra comer, um miojo de legumes, único que sobrou, pode ser, não se preocupe, está tudo bem... vou ficar bem”.

Volta ao sofá, e senta bem na parte mais desgastada, que dor aguda. Pragueja! Ainda bem que o edredom não perdeu seu calor. “Quanto tempo faz que não pisa lá fora?”. Melhor nem pensar, ou começa a ficar difícil respirar. “Que ideia foi essa de se afastar?”. Troca o canal, pessoas alegres sorriem em uma propaganda de mundo perfeito. “Por que nunca está nublado quando as pessoas estão felizes?”.

Fecha os olhos. Claridade. Olha no vidro, as gotas ainda estão lá, mas enxerga um rosto, não reconhece. “De quem seria esse rosto barbudo?”. O homem do vidro o olha de volta, olhos azuis, feições envelhecidas, sorri, triste. O menino então se assusta, acaricia o rosto e sente pelos, pende a cabeça para um lado e o homem do vidro faz o mesmo movimento. “Que loucura é essa?”.

Tudo o que ele queria esquecer, estava no rosto do homem no vidro. Em seu rosto a barba mal feita, o olho azul vidrado e a cicatriz na testa, que a touca cinza escondia. Em seu peito eclodiu a lembrança. Ela era linda. Boca cor de maçã, cabelo preto, franja caindo no olho esquerdo, o melhor sorriso do mundo. Naquele dia, naquele dia chuvoso... ele aumentou o volume do som em seu carro, ela cantava animada, tinha gotas no vidro do carro, curvas na estrada e um caminhão do outro lado. Partiu. A vida dela acabou. Despedaçou seu peito. Quem dera ela, ela escondesse a cicatriz com a franja e ele ... ele tivesse morrido.

Morreram os dois. Pois morreram sonhos, planos e segredos. O homem no vidro chora e junta suas lágrimas com as da janela. Ao longe, um raio de sol, como um sorriso. “Estou vivo, estou vivo. Mas, como é mesmo que vivo?”.

2 comentários:

J. disse...

Soube agonizar e aumentar o lamento. Além de me enganar, pensei que era o que não era. Fiquei com dó. Deu certo.

(e, pra ajudar, eu estava ouvindo Radiohead rs)

Continue, Monique.

Lucia Helena disse...

E partiu... e morreram os dois... É de doer o peito..