Óculos quadrados, pretos por fora, rosa por dentro, fica bem
em qualquer um que experimenta, estava na garota de blusinha preta, que virou o
rosto para não ver a agulha furando a pele, o pânico é maior do que a dor, tem
medo de injeção e fazia um bom tempo que não era picada na veia. A mãe tenta
lhe confortar, passa gentilmente as mãos em suas costas. Ela não viu como isso
aconteceu, mas um esparadrapo e algodão logo tomaram o lugar da agulha que
colocou o remédio pra dentro. Agora ela estava fazendo inalação.
[...]
Três horas antes, ela havia acordado para mais uma
segunda-feira de trabalho. Sentiu a garganta seca, praguejou contra o tempo
seco. Sentiu a boca maior, colocou a mão no rosto, algo estranho acontecia.
Pegou o celular e no escuro do quarto, fez dele espelho, como muitas vezes
antes, mas agora enxergou um rosto que não era dela. A mãe fazia hora na cama,
levantou-se, foi até o espelho do banheiro. A mãe passou no corredor:
- Mãe, acho que não vou trabalhar hoje.
- Por que?
Ela virou o rosto e a mãe logo entendeu. A boca inchada, o
olho diminuto, o lado direito de seu rosto estava irreconhecível. Enquanto
sentou-se no sofá para decidir se ia ou não no hospital, tirou umas fotos, ao
estilo selfie, como que para acreditar no que via. Mandou mensagens para os
colegas de trabalho. Pegou o telefone do chefe, pois é, ainda não tinha.
Entrou no chuveiro, queria demorar, mas ao mesmo tempo,
queria logo ser ela mesma. O óculos era o acessório perfeito, queria
esconder-se, parecer invisível feito aquela criança no filme do Adam Sandler.
Ao chegar próximo do AMA, as ruas estavam cheias de carro, estacionaram o
carro, a mãe guiava, em um estacionamento com preço único a R$ 5, com um
declive incrível.
- O que é barato sai caro mesmo - disse a mãe.
De cabeça baixa, caminhou até a recepção, a atendente, por
acaso, uma amiga de escola do irmão, reconheceu a mãe e foi gentil. Esperou a
triagem, mediu a pressão. A enfermeira (?) perguntou o que ela tinha, tirou os
óculos e mostrou. Era hora de descer mais um pavimento e esperar o atendimento.
Se conversou ou fez piadas, não lembra.
Ao ouvir seu nome, mais uma espera para adentrar ao
escritório do médico. Era chegada a hora, um pouco apreensiva, sentou-se na
cadeira do jovem doutor, 28 anos, talvez. Não deixou de reparar que não era de
se jogar fora o tal médico, mas não estava lá em condições de paquera. O doutor
a olhou de óculos e perguntou o que sentia, ela tirou o óculos com a mão
direita, preenchida por um anel de camafeu, e disse apontando para o rosto:
isso!
Ele perguntou o que tinha acontecido. Ela foi explicando a
ordens de acontecimentos. Desde segunda-feira passada, estava resfriada, com
tosse de catarro, ele perguntou a cor, verde. No domingo pela manhã, acordou
com um machucado abaixo do nariz, achou que era espinha, passou até uma base
para sair de casa, à noite, resolveu que não queria aquela espinha no dia
seguinte, a mãe lhe sugeriu uma pomada, ela passou a pomada e foi dormir,
esperando eliminar a intrusa, pelo visto, sem sucesso, pois a instrusa
continuava lá em forma de machucado e sua boca estava o triplo de tamanho e seu
rosto inchado.
O médico a examinou, colocou o estetoscópio, em suas costas,
peito... pediu pra ela respirar fundo e soltar pela boca, várias vezes. Ela
sentou-se na cadeira e viu que ele anotava em sua ficha. Você vai até a sala de
medicação, tomar um comprimido, uma medicação na veia e fazer inalação, disse
ele. Pronto, lá vinha a maldita agulha!
Sentou-se resignada a espera da temida agulha, trauma de
infância, ela afirma. Antes de sentar, a mãe comentou com uma moça na sala que a filha estava com medo, a moça fez sinal
de que não ouvia. Ao lado, estava uma senhora, na cor amarela, uma cor mais
escura do que os personagens de Os Simpsons, imaginou que era hepatite, alguma
doença do fígado, baseou seu diagnóstico em capítulos de House e Grey's
Anatomy, que lhe deram diploma de palpiteira médica. Após a cena descrita no
primeiro parágrafo, sentada tomava inalação e tentava fixar o esparadapro que
insistia em sair do braço furado.
Observou a sala de medicação. Uma moça tomava soro na veia,
uma senhora estava com furo na mão, também tomando algum medicamento, a moça
que afirmou não ouvir, fazia inalação, tinha os cabelos desgranhados, usava uma
bota preta e um moletom verde... Fazia calor ali. O tempo da inalação parecia
interminável. Entra uma senhora chorando de dor, cabelos brancos, saia jeans,
uma blusa rosa, talvez, ela vai até uma parte da sala, onde fecham com porta
sanfonada cinza e ali aplicam uma injeção, ela volta, ainda com dor. No único
leito do local, havia uma senhora com catéter no pescoço, coberta por um
cobertor térmico, parecia sofrer, assim como sofria uma moça desfalecida na
cadeira, sem muita reação, sua acompanhante vinha até ela e passava a mão em
seu rosto e lhe perguntava se estava bem. Ela não parecia bem, talvez tenha saído
correndo de casa, vestia uma calça legging florida, meias e chinelos de dedos,
que encontravam-se perdidos embaixo da cadeira.
A inalação finalmente acabou e ela respirou aliviada, pois
ficou com medo daquele ar de doença ter passado pra ela. Bobagem. Voltou até a
sala do médico, que lhe receitou mais dois tipos de remédios, tendo de tomar
por 7 dias. Ele lhe disse que se o inchaço não diminuísse seira melhor
consultar um alergista. A farmácia do AMA disponibilizou os remédios e ela
voltou pra casa.
À noite, ajoelhou-se e fez suas orações. Agradeceu a Deus
por não precisar estar em um leito de hospital, agradeceu por sua família
saudável e pediu por aqueles que sofrem. A mãe veio até seu quarto, dar-lhe
mais uma dose de carinho, ela foi dormir sentindo-se grata e amada.
2 comentários:
Sempre gostei do gênero aventura \o/
Mas meu lado infantil gosta das gravuras no livro. Sendo assim: Cadê as fotos?! :D hihihi
Ale Pitta
#semacessoacontagoogle
Você transformou um péssimo dia em um conto envolvente. Parabéns.
Obs: Li o texto ao mesmo tempo em que gargalhava enquanto imaginava o rosto inchado da heroína do conto hahaha
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