terça-feira, 3 de setembro de 2013

A reação alérgica


Óculos quadrados, pretos por fora, rosa por dentro, fica bem em qualquer um que experimenta, estava na garota de blusinha preta, que virou o rosto para não ver a agulha furando a pele, o pânico é maior do que a dor, tem medo de injeção e fazia um bom tempo que não era picada na veia. A mãe tenta lhe confortar, passa gentilmente as mãos em suas costas. Ela não viu como isso aconteceu, mas um esparadrapo e algodão logo tomaram o lugar da agulha que colocou o remédio pra dentro. Agora ela estava fazendo inalação.

[...]

Três horas antes, ela havia acordado para mais uma segunda-feira de trabalho. Sentiu a garganta seca, praguejou contra o tempo seco. Sentiu a boca maior, colocou a mão no rosto, algo estranho acontecia. Pegou o celular e no escuro do quarto, fez dele espelho, como muitas vezes antes, mas agora enxergou um rosto que não era dela. A mãe fazia hora na cama, levantou-se, foi até o espelho do banheiro. A mãe passou no corredor:

- Mãe, acho que não vou trabalhar hoje.
- Por que?

Ela virou o rosto e a mãe logo entendeu. A boca inchada, o olho diminuto, o lado direito de seu rosto estava irreconhecível. Enquanto sentou-se no sofá para decidir se ia ou não no hospital, tirou umas fotos, ao estilo selfie, como que para acreditar no que via. Mandou mensagens para os colegas de trabalho. Pegou o telefone do chefe, pois é, ainda não tinha.

Entrou no chuveiro, queria demorar, mas ao mesmo tempo, queria logo ser ela mesma. O óculos era o acessório perfeito, queria esconder-se, parecer invisível feito aquela criança no filme do Adam Sandler. Ao chegar próximo do AMA, as ruas estavam cheias de carro, estacionaram o carro, a mãe guiava, em um estacionamento com preço único a R$ 5, com um declive incrível.

- O que é barato sai caro mesmo - disse a mãe.

De cabeça baixa, caminhou até a recepção, a atendente, por acaso, uma amiga de escola do irmão, reconheceu a mãe e foi gentil. Esperou a triagem, mediu a pressão. A enfermeira (?) perguntou o que ela tinha, tirou os óculos e mostrou. Era hora de descer mais um pavimento e esperar o atendimento. Se conversou ou fez piadas, não lembra.

Ao ouvir seu nome, mais uma espera para adentrar ao escritório do médico. Era chegada a hora, um pouco apreensiva, sentou-se na cadeira do jovem doutor, 28 anos, talvez. Não deixou de reparar que não era de se jogar fora o tal médico, mas não estava lá em condições de paquera. O doutor a olhou de óculos e perguntou o que sentia, ela tirou o óculos com a mão direita, preenchida por um anel de camafeu, e disse apontando para o rosto: isso!

Ele perguntou o que tinha acontecido. Ela foi explicando a ordens de acontecimentos. Desde segunda-feira passada, estava resfriada, com tosse de catarro, ele perguntou a cor, verde. No domingo pela manhã, acordou com um machucado abaixo do nariz, achou que era espinha, passou até uma base para sair de casa, à noite, resolveu que não queria aquela espinha no dia seguinte, a mãe lhe sugeriu uma pomada, ela passou a pomada e foi dormir, esperando eliminar a intrusa, pelo visto, sem sucesso, pois a instrusa continuava lá em forma de machucado e sua boca estava o triplo de tamanho e seu rosto inchado.

O médico a examinou, colocou o estetoscópio, em suas costas, peito... pediu pra ela respirar fundo e soltar pela boca, várias vezes. Ela sentou-se na cadeira e viu que ele anotava em sua ficha. Você vai até a sala de medicação, tomar um comprimido, uma medicação na veia e fazer inalação, disse ele. Pronto, lá vinha a maldita agulha!

Sentou-se resignada a espera da temida agulha, trauma de infância, ela afirma. Antes de sentar, a mãe comentou com uma moça na sala que a filha estava com medo, a moça fez sinal de que não ouvia. Ao lado, estava uma senhora, na cor amarela, uma cor mais escura do que os personagens de Os Simpsons, imaginou que era hepatite, alguma doença do fígado, baseou seu diagnóstico em capítulos de House e Grey's Anatomy, que lhe deram diploma de palpiteira médica. Após a cena descrita no primeiro parágrafo, sentada tomava inalação e tentava fixar o esparadapro que insistia em sair do braço furado.

Observou a sala de medicação. Uma moça tomava soro na veia, uma senhora estava com furo na mão, também tomando algum medicamento, a moça que afirmou não ouvir, fazia inalação, tinha os cabelos desgranhados, usava uma bota preta e um moletom verde... Fazia calor ali. O tempo da inalação parecia interminável. Entra uma senhora chorando de dor, cabelos brancos, saia jeans, uma blusa rosa, talvez, ela vai até uma parte da sala, onde fecham com porta sanfonada cinza e ali aplicam uma injeção, ela volta, ainda com dor. No único leito do local, havia uma senhora com catéter no pescoço, coberta por um cobertor térmico, parecia sofrer, assim como sofria uma moça desfalecida na cadeira, sem muita reação, sua acompanhante vinha até ela e passava a mão em seu rosto e lhe perguntava se estava bem. Ela não parecia bem, talvez tenha saído correndo de casa, vestia uma calça legging florida, meias e chinelos de dedos, que encontravam-se perdidos embaixo da cadeira.

A inalação finalmente acabou e ela respirou aliviada, pois ficou com medo daquele ar de doença ter passado pra ela. Bobagem. Voltou até a sala do médico, que lhe receitou mais dois tipos de remédios, tendo de tomar por 7 dias. Ele lhe disse que se o inchaço não diminuísse seira melhor consultar um alergista. A farmácia do AMA disponibilizou os remédios e ela voltou pra casa.

À noite, ajoelhou-se e fez suas orações. Agradeceu a Deus por não precisar estar em um leito de hospital, agradeceu por sua família saudável e pediu por aqueles que sofrem. A mãe veio até seu quarto, dar-lhe mais uma dose de carinho, ela foi dormir sentindo-se grata e amada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sempre gostei do gênero aventura \o/
Mas meu lado infantil gosta das gravuras no livro. Sendo assim: Cadê as fotos?! :D hihihi

Ale Pitta
#semacessoacontagoogle

Unknown disse...

Você transformou um péssimo dia em um conto envolvente. Parabéns.

Obs: Li o texto ao mesmo tempo em que gargalhava enquanto imaginava o rosto inchado da heroína do conto hahaha