A conversa na cozinha estava alta e alegre, todos na fazenda de sua avó, em Minas Gerais, pareciam festejar, planejavam algo, em seus olhos alegres Jairo sentia um ar maléfico. As crianças corriam, gritavam, divertiam-se, mas Jairo preferia observar aos adultos, com as barrigas em volta do fogão a lenha puxavam o fumo de corda e bebiam a típica cachaça mineira. A cada palavra o menino percebia que sua desconfiança tinha completo fundamento, eles estavam mesmo planejando um assassinato. Foi para cama mais cedo, levantou-se tão cedo quanto o tio, que costumava ordenhar as vacas, colocou botas de plástico, desceu até o curral, tinha que salvar o pobre ser que havia sido condenado à morte na noite passada.
Abriu a porteira e lá estava a inocente porquinha, o menino abaixou-se pediu desculpas por um dia ter cutucado sua pança e com jeito lhe deu as más notícias. Percebeu que a porca não havia entendido, olhou seus filhotes, compadeceu-se ainda mais, abriu a porteira, “vamos fuja”, nada, a porca continuava afundada na lama. Percebendo que não tinha muito jeito, olhou para os filhotes e os fez agradável companhia até cansar. Voltou à casa, isolou-se no quarto, dormiu.
Dona Celma, sua mãe, percebeu que havia algo de errado com seu menino, ao questioná-lo viu a inesperada reação, Jairo chutou, urrou, não queria que matassem a porca. Ao ouvir a confusão, Seu Jadir deu uma boas chineladas no moleque. Jairo acalmou-se foi para o quarto e ao observar os móveis velhos, imaginou quantas pessoas já viveram e morreram naquela casa, seus pensamentos foram interrompidos pelos gritos da porca sendo levada ao abate.
Essa é só uma das lembranças da infância de Jairo Assunção, 21 anos, quase 22. Essa e as idas e vindas na estrada até a fazenda da avó, ou as eternas brigas com o irmão, Diogo, um ano mais velho.
- Nunca nos demos bem. Quando éramos pequenos existia uma competição entre nós. Quem era o melhor? Acabava em briga e mais briga. Ficamos mais velhos, mais fortes e nessa medida as “tretas” foram ficando mais sérias.
"Não falo com ele faz sete anos. Quando se falam é para brigar, foi assim ano passado. "Nesse dia ele me ameaçou e fugiu de casa, voltou um dia depois. Idiota".
Ao menos para esta observadora, Jairo não tem uma relação muito próxima com a família, parece que todos vivem num ambiente de incompreensão. Dona Celma, sua mãe, mostra-se uma mulher solitária, aparando os desentendimentos no lar e guardando seus medos só para si. Jairo diz amá-la muito e a descreve como uma mulher afetuosa em excesso, “não sei se é saudade ou solidão”, diz. O que o perturba é a falação da mãe: “ela fala muito, muito mesmo. Cheguei a apelidá-la de Dona Celma FM”.
“Esses dias eu fiquei sumido de casa. Acho que foram três dias. Cheguei e ela perguntou enquanto eu comia”:
- Você lembra do rosto da sua mãe?
“Com a resposta afirmativa, ela sorriu e falou”:
– Eu sei que lembra, esses dias você percebeu que eu tinha cortado um pouquinho a minha franja.
Jairo enxerga Seu Jadir com o respeito de um filho obediente diante de um pai autoritário. O pai foi contador por 27 anos em uma fábrica de carros, Kharman Guia, o estresse era aliviado nas palmadas que dava nos filhos. Ele gostava de sentar-se em uma poltrona e pedir para que Jairo lhe tirasse os sapatos. Depois da aposentadoria, Seu Jadir acalmou-se e ficou até mais carinhoso:
- Sempre deu a vida para me dar educação e saúde. Não tenho do que reclamar. Seu Jadir é mais difícil. Nunca fomos amigos. Mas, tenho certeza que eu aprendi muito com ele.
Saindo do âmbito familiar, as paixões de Jairo são profundas e até mesmo visíveis em sua pele. Na adolescência, ao pesquisar bandas do rock britânico dos anos 90, percebeu que todas tinham os Beatles como influência, para se apaixonar foi um pulo. Em seu braço esquerdo a tatuagem da capa do álbum Help e em sua mesa, o livro que conta a história das canções dos garotos de Liverpool exalam essa paixão. Outra banda que faz a trilha sonora do jovem é The Strokes, de acordo com ele, a banda mostra um espírito louco e incosequente, que apaixona a cada CD. Para ele, a banda tornou-se mais especial quando namorou uma garota que gostava tanto quanto ele e daí:
- Virou “fuck music”, música de balada, música de tomar banho junto e nessa sintonia, com essa trilha sonora, só poderia marcar minha vida.
A outra tatuagem, homenageia a paixão literária de Jairo. Em um período de ócio após terminar o ensino médio e procurar emprego sem sucesso, acordava tarde, assistia desenhos animados, comia e coçava. Na angústia do “nada para fazer” criou um blog, o “Nosurpises” e começou a escrever sobre sua vida, contava as bebedeiras, histórias da infância... um dia, um desconhecido comentou em um post dizendo que seus textos eram parecidos com os de Charles Bukowski.
- No momento eu não fazia ideia de quem era esse escritor. Com muito tempo de sobra, pesquisei e descobri. Hoje tenho uma coleção do velho mais safado da literatura “beat” americana.
Logo, Bukowski foi a inspiração para a tatuagem no peito:
- Resolvi tatuar um desenho de um boxeador e a frase Don´t Try que está na lápide dele. Entendo, pode parecer algo um tanto mórbido, mas há muita vida. O espírito da frase vem do poema: Roll the Dice: if you’re going to try, go all the way. Otherwise, don’t even start (Em tradução livre: Role os dados: se você vai tentar, vá todo o caminho. Caso contrário, nem sequer comece).
Há ainda mais fatores interessantes em Jairo. O baixinho de 1m60cm tem seu estilo de vida comparado a de andarilhos e é vegetariano. Para ele, ninguém tem o direito de tirar a vida de outro ser para alimentação e a história da cadeia alimentar é balela:
- Faz uns seis anos que não como animal. Meu prato predileto é panqueca de carne vegetal.
Na hora do almoço, no serviço, são sempre as mesmas piadas. “Não come carne? Mas, nem frango?”. Jairo já acostumou-se e leva numa boa, até vai em churrascaria se houver algum tipo de confraternização do departamento, mas da última vez, saiu de lá correndo por conta do cheiro de “animal em decomposição”. Alguns acham que a opção vegetariana aconteceu por conta da porca da infância, ou do pintinho que matou sem querer, naquela mesma fazenda.
Ele é redator do site da CVC e está cursando o terceiro ano do curso de Propaganda e Publicidade:
- Estou no lugar errado. Sinto pena de mim e das pessoas que estão naquela sala de aula.
Do serviço não reclama, afinal, é bem melhor do que o primeiro emprego:
- Acordava às 8h da manhã, colocava uma roupa social e pegava uma maletinha. Saia de casa parecendo testemunha de Jeová. Passava no escritório e saia com mais um cara para vender internet e telefone da NET. Era no esquema porta a porta. Vendi pouco, ganhei R$ 350,00 reais depois de dois meses. Foi engraçado.
O estilo de vida natural na alimentação é dosado com muito álcool e cigarro. Aos 14/15 anos economizava o dinheiro que o pai lhe dava para o almoço e ia beber com os amigos da escola. Diz que até hoje gosta de ir ao “Bar do Ceará”, tomar uma cerveja ou uma cachacinha. O cigarro foi iniciado na mesma época, achou que fumaria pouco, mas hoje fuma um maço por semana, mais em dias tristes ou estressantes. “Às vezes fumar é uma forma de soltar alguma angústia, de tirar aquele tempo para conversar consigo mesmo”.
Jairo gosta de mulher! Gosta de olhar para elas, para qualquer uma e tem uma tara especial pelas orientais, não pode passar uma mestiça por perto que ele até esquece sobre o que estava falando. Sua digamos, iniciação sexual, não foi com uma oriental, foi de tarde mesmo num puteiro aos 17 anos. Mas diz que sexo é bem melhor com amor. Amor que sente por Amanda, com quem tem um relacionamento conturbado de mais ou menos 2 anos.
- Amanda, quer dizer: digna de ser amada. Tento fazer essa frase virar sina. Quero, um dia, morar com ela e ter filhos.
Quem sabe...
*Texto escrito para o curso de Jornalismo Literário, ministrado pela professora Monica Martinez.
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